Os
antigos tinham em mente que para a criança ser saudável tinha que ser gorda... Quando
se é criança, os adultos elogiam, apertam as bochechas, falam que a criança é
linda, que parece uma boneca e etc... Mas, quando a criança se torna um (a)
adolescente ou adulto gordo (a), a
conversa muda! Os apelidos são dos mais cruéis, independentemente da época, da
classe social, da escola: rolha de poço, orca a baleia assassina, saco de
batatas, e por aí vai... Na época em que estudava, não se falava em bullying, e
ninguém sequer sabia o que era isso, nem tampouco as consequencias, mas como qualquer
criança, sofria calada com a maldade dos apelidos.
O
fato de não me enquadrar nos moldes de beleza estabelecida pela sociedade, ser
diferente da maioria, me levou a ser muito estudiosa. Procurava superar a falta
de beleza estética, com a minha inteligência, como forma de compensação.
O que mais me deixou triste, foi o
fato de ter descoberto mais de 30 anos depois, que sofria de uma doença chamada
de hipotireoidismo. “O hipotireoidismo
é uma disfunção na
tireoide (glândula que regula importantes órgãos do organismo),
que se caracteriza pela queda na produção dos hormônios T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina). É mais
comum em mulheres, mas pode acometer qualquer pessoa, independente de gênero ou
idade, até mesmo recém-nascidos - o chamado hipotireoidismo congênito”.
Eu nunca vou saber se o meu é
congênito ou não, porque em 1970, quando nasci, não se fazia exames capazes de
diagnosticar o problema. Mas uma coisa eu sei: Somos 03 irmãos, comíamos as
mesmas coisas e a única gorda dos 03 era eu!
O engraçado é que são vários os sintomas
de quem tem esse problema, tais como: depressão, desaceleração dos batimentos
cardíacos, intestino preso, menstruação irregular, falhas de memória, cansaço
excessivo, dores musculares, pele seca, queda de cabelo, ganho de peso e
aumento de colesterol no sangue. Eu nunca tive sintoma nenhum, a não ser, a
gordura e prisão de ventre, que eu achava normal!
Numa ocasião, um endocrinologista me
disse que eu poderia comer uma azeitona por dia que continuaria gorda! Essa
informação me deixou pasma! O interessante também é que eu nunca fui chegada à
comida e gostava mesmo de sanduíches e biscoitos! Então, eu atribuía ser gorda
por conta da má alimentação, somente, e não era só isso.
Interessante
também relatar que nunca tive insatisfação corporal. A minha imagem corporal
não me incomodava porque sempre consegui realizar todas as tarefas que me eram
impostas. Mesmo fora dos padrões de beleza casei, fiz faculdade, me formei em
advogada, tive dois filhos saudáveis e lindos. Sempre me aceitei.
Mas
não conseguia escapar das dietas malucas e fórmulas ditas milagrosas.
Taquicardia, boa seca, humor alterado, são sintomas comuns para quem faz uso
dessas drogas. Tomei muita porcaria para me ajudar a emagrecer. Não porque eu
não me amasse, mas por causa das pessoas que me diziam que eu estava gorda, e
aquilo me incomodava, e o pior é que não resolveu!
Mas,
na minha opinião, o pior era na hora de comprar roupas : Era terrível... Nunca
gostei de experimentar as roupas nas lojas. As vendedoras ficam em cima e por
mais que você queria privacidade, elas não te dão. O pior é quando elas
perguntam: e aí coube? E você tem que responder que não, e ela te diz que não
tem tamanho maior... Essa é a parte ruim de ser gorda ou gordo!
Mas
com o passar dos anos, os grandes magazines se adaptaram ao mercado e viram que
as gordinhas e os gordinhos mereciam tamanhos plus com a mesma qualidade e
modelos que os tamanhos ditos “normais”. E assim eu passei a comprar roupas
“sopa de letrinhas”, agora, plus size.
Com
o passar dos anos, e principalmente com a gravidez engordei mais ainda. De 90
quilos aproximadamente passei para 127/130. Do manequim 48-50, passei para o 54,
com apenas 1,65 de altura!!! E depois, nunca mais consegui perder peso. Na
época em que engravidei pela primeira vez estava com 22 anos. Imagine os danos
causados as articulações e a coluna, para um corpo mediano com uma sobrecarga
de mais de 40 quilos!!! Meu corpo sofreu.
E
para piorar o quadro, comecei a trabalhar aos 15 anos como manicure e depois
cabeleireira, profissões que exigem ficar tempo demais sentada e a outra de pé!
Mas quando se é jovem, a gente não
percebe e passa por cima de tudo, ignorando os sinais que o corpo dá.
Ainda
jovem já sentia muitas dores na coluna, mas me medicava com relaxantes
musculares e conseguia cessar as dores. Mas com o passar dos anos, essas dores
se tornaram constantes.
Como
nunca parei de estudar e casei cedo, tinha jornada tripla: trabalhava durante o
dia, estudava à noite e quando chegava em casa ainda tinha que ser mãe e
esposa.
Com
a nova profissão, continuei a maltratar meu corpo, pois como estagiária em
direito, carregava muitos processos. Carregava no mínimo duas bolsas
superpesadas; além dos saltos altos que usava, afinal, os ambientes que passei
a frequentar exigiam e continuam exigindo salto e terninho. Isso me fez
desenvolver DUAS novas doenças: fascite plantar e distrofia de sudeck, além da
hérnia de disco!
A
fascite plantar “é uma inflamação do tecido denso na sola do pé. Esse
tecido é denominado fáscia plantar. Ele liga o calcâneo aos dedos e cria o arco
do pé. A fascite plantar ocorre quando há muita tensão ou uso excessivo da
faixa de tecido denso da sola do pé. Isso pode provocar dor e dificuldade para
caminhar. Entre os fatores de risco para a fascite plantar estão:
·
Problemas no arco do pé (pé chato e pé cavo)
·
Obesidade ou ganho súbito de peso
·
Corridas de longa distância, especialmente em
ladeiras ou em superfícies irregulares
·
Tensão no tendão de Aquiles (o tendão que liga os
músculos da panturrilha ao tornozelo)
·
Calçados com apoio insuficiente à curva do pé ou
solas macias
A fascite
plantar afeta geralmente homens ativos com idades entre 40 e 70 anos. É uma das
reclamações ortopédicas mais comuns relacionadas aos pés.” Mas no meu caso,
estava com exatos 36 anos quando meu martírio começou!
DISTROFIA DE SUDECK: “Também denominada de distrofia
simpático-reflexa (DSR) foi inicialmente descrita por Mitchell em 1864, durante
a guerra civil americana, como quadro de edema doloroso em uma extremidade após
ferimentos por arma de fogo, acompanhado de alterações vasomotoras e tróficas.
Desde então, esta doença vem recebendo diversas terminologias, tais como
algodistrofia, causalgia, atrofia de Sudeck, síndrome ombro-mão,
neuroalgodistrofia, distrofia simpática pós-traumática ou síndrome dolorosa
regional complexa. Clinicamente, a DSR se apresenta mais frequentemente como
dor persistente de forte intensidade em uma extremidade, geralmente
desproporcional ao evento desencadeante. A dor é associada a descritores de dor
neuropática (queimação, disestesia, parestesia, alodínia e hiperalgesia ao
frio) e sinais clínicos de disfunção autonômica (cianose, edema, frio,
alteração de transpiração e pilificação local). Atualmente, há grande
controvérsia a respeito da patogênese da DSR. Alguns autores acreditam que esta
doença é decorrente de um mecanismo neuronal reflexo após um evento traumático,
levando à percepção anormal da dor e a uma atividade simpática referente
exacerbada. O diagnóstico de DSR foi feito baseado na presença de dor intensa e
prolongada no segmento distal de um membro, frequentemente associada a edema
difuso do local, alteração de coloração, alteração de temperatura, alteração de
sensibilidade e incapacitação funcional.”
No que
tange a coluna lombossacra, ela não queimava somente. A coluna travava. Ficava
imóvel. Tinha que ser levada para a emergência, pois não havia remédio que
fizesse a dor passar e que voltasse a posição ereta. Ficava torta. Para se ter
uma ideia ia parar na emergência em média 2 a 3 vezes por semana, e os médicos
do hospital já até me conheciam.
O fato perdurou
por meses. Mas com o passar do tempo, um médico da emergência me disse que os
medicamentos que eu estava tomando afetariam o meu coração, pois eram muito
fortes e me aconselhou a procurar ajuda para resolver o problema, porque na
realidade eu estava agravando o meu quadro, sem saber.
Ele me
indicou um médico, que solicitou vários exames e ficou comprovado que eu estava
com várias hérnias de disco. Mas a pior era a lombo-sacra. Essa tal hérnia
comprimia os nervos que davam força nas minhas pernas. E eu não conseguia ficar
de pé. Os pés por sua vez, doíam demasiadamente, em função da fascite plantar e
da distrofia de sudeck, o que fez com que eu fosse parar na cadeira de rodas.
Nossa! Nunca pensei passar por tudo aquilo... A gente só sabe o quanto é sofrido,
quando a gente sente na pele...
Passei a
depender dos meus filhos e marido para tudo. Levar-me aos fóruns, dirigir, levantar,
e etc... Foi uma época bem ruim da minha vida... A pessoa que nunca dependeu de
ninguém pra nada e de repente se vê numa cadeira de rodas, precisando de ajuda
para tudo, se sente impotente e revoltada ao mesmo tempo.
Apesar de
ser advogada e saber das dificuldades para os portadores de deficiência, mais
especificamente os cadeirantes, para terem acesso ao transporte e locomoção,
por exemplo, eu vivi e sofri diretamente essa dificuldade. Percebi o quanto é
difícil ser deficiente (mesmo temporário) no Brasil, e mais exatamente no Rio
de janeiro, cidade que eu meu trabalho é mais atuante. As calçadas não são cuidadas,
o piso não é plano. Os buracos são diversos e rampa nos prédios (inclusive de
órgãos públicos), são raridades.
Outro
fato é o estacionamento. Não há vagas. O detalhe: como eu não adaptei o carro
para deficiente era o meu marido quem dirigia, e quando ele parava na vaga de
cadeirante, era impedido de estacionar, porque a vaga, segundo informação dos
guardadores, era de uso exclusivo para o motorista cadeirante, e como eu não
estava dirigindo, muitas vezes não pude contar com o benefício do
estacionamento preferencial.
Entre
idas e vindas, por dois anos, passei por vários especialistas: ortopedistas,
neurocirurgiões, fisioterapeutas e reumatologistas, tratamento com acupuntura,
gelo, calor e etc... sem que em nenhum tivesse resolvido as dores, com um tratamento
ou medicamento realmente eficaz e preciso.
Passei a
tomar vários remédios, indicados pelos médicos, uns a base de corticoide, que
faziam com que ficasse inchada e ganhasse mais peso, e os médicos me pediam
para emagrecer.
Por fim,
um dos médicos que me acompanhava na ocasião, sugeriu uma descompressão na
coluna para “tentar” aliviar a pressão e no nervo que irrigava a força nas
pernas e por consequencia diminuísse as dores. O procedimento foi com
radiofrequencia com 15 ga, agulha trifacetada de 20 cm, com 90 segundos e 90
graus nos espaços L4 E L5.
Como
estamos no Brasil, e eu não fui a primeira e nem serei a última, da qual o
plano de saúde se recusa a dar autorização para o procedimento. Eles alegaram que
o mesmo era desnecessário e eu na cadeira de rodas! Pois é, tive que ingressar
via judicial para que pudesse realizar o procedimento requerido pelo médico. E
ganhei. Fiz o procedimento, mas infelizmente não resolveu. As dores
continuaram.
Eu não
tinha ideia da quantidade de remédios que tomava por dia!!! Eram muitos... numa ocasião contei 16. Aí eu
literalmente pirei !!! Num surto de desespero, um dia peguei aquelas drogas
todas e joguei tudo fora. O custo benefício dos medicamentos, não estava sendo
suficientes para me ajudar, e eu queria uma solução.
Após esse
ato fui procurar um médico neurocirurgião que me disse que poderia operar minha
coluna, mas que devido ao meu sobrepeso, não me indicaria a cirurgia naquele
momento. Só que eu queria uma solução. Foi então que ele me indicou a cirurgia
bariátrica. Disse que se eu diminuísse a sobrecarga na coluna e nos pés eu
voltaria a ter uma qualidade de vida muito melhor. Então, lá fui eu, para o pré-operatório.
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