segunda-feira, 3 de setembro de 2012

SEMPRE FUI GORDA




 
Os antigos tinham em mente que para a criança ser saudável tinha que ser gorda... Quando se é criança, os adultos elogiam, apertam as bochechas, falam que a criança é linda, que parece uma boneca e etc... Mas, quando a criança se torna um (a) adolescente ou adulto gordo (a),  a conversa muda! Os apelidos são dos mais cruéis, independentemente da época, da classe social, da escola: rolha de poço, orca a baleia assassina, saco de batatas, e por aí vai... Na época em que estudava, não se falava em bullying, e ninguém sequer sabia o que era isso, nem tampouco as consequencias, mas como qualquer criança, sofria calada com a maldade dos apelidos.

O fato de não me enquadrar nos moldes de beleza estabelecida pela sociedade, ser diferente da maioria, me levou a ser muito estudiosa. Procurava superar a falta de beleza estética, com a minha inteligência, como forma de compensação.

O que mais me deixou triste, foi o fato de ter descoberto mais de 30 anos depois, que sofria de uma doença chamada de hipotireoidismo. “O hipotireoidismo é uma disfunção na tireoide (glândula que regula importantes órgãos do organismo), que se caracteriza pela queda na produção dos hormônios T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina). É mais comum em mulheres, mas pode acometer qualquer pessoa, independente de gênero ou idade, até mesmo recém-nascidos - o chamado hipotireoidismo congênito”.

Eu nunca vou saber se o meu é congênito ou não, porque em 1970, quando nasci, não se fazia exames capazes de diagnosticar o problema. Mas uma coisa eu sei: Somos 03 irmãos, comíamos as mesmas coisas e a única gorda dos 03 era eu!

O engraçado é que são vários os sintomas de quem tem esse problema, tais como: depressão, desaceleração dos batimentos cardíacos, intestino preso, menstruação irregular, falhas de memória, cansaço excessivo, dores musculares, pele seca, queda de cabelo, ganho de peso e aumento de colesterol no sangue. Eu nunca tive sintoma nenhum, a não ser, a gordura e prisão de ventre, que eu achava normal!

Numa ocasião, um endocrinologista me disse que eu poderia comer uma azeitona por dia que continuaria gorda! Essa informação me deixou pasma! O interessante também é que eu nunca fui chegada à comida e gostava mesmo de sanduíches e biscoitos! Então, eu atribuía ser gorda por conta da má alimentação, somente, e não era só isso.

Interessante também relatar que nunca tive insatisfação corporal. A minha imagem corporal não me incomodava porque sempre consegui realizar todas as tarefas que me eram impostas. Mesmo fora dos padrões de beleza casei, fiz faculdade, me formei em advogada, tive dois filhos saudáveis e lindos. Sempre me aceitei.

Mas não conseguia escapar das dietas malucas e fórmulas ditas milagrosas. Taquicardia, boa seca, humor alterado, são sintomas comuns para quem faz uso dessas drogas. Tomei muita porcaria para me ajudar a emagrecer. Não porque eu não me amasse, mas por causa das pessoas que me diziam que eu estava gorda, e aquilo me incomodava, e o pior é que não resolveu!

Mas, na minha opinião, o pior era na hora de comprar roupas : Era terrível... Nunca gostei de experimentar as roupas nas lojas. As vendedoras ficam em cima e por mais que você queria privacidade, elas não te dão. O pior é quando elas perguntam: e aí coube? E você tem que responder que não, e ela te diz que não tem tamanho maior... Essa é a parte ruim de ser gorda ou gordo!

Mas com o passar dos anos, os grandes magazines se adaptaram ao mercado e viram que as gordinhas e os gordinhos mereciam tamanhos plus com a mesma qualidade e modelos que os tamanhos ditos “normais”. E assim eu passei a comprar roupas “sopa de letrinhas”, agora, plus size.

Com o passar dos anos, e principalmente com a gravidez engordei mais ainda. De 90 quilos aproximadamente passei para 127/130. Do manequim 48-50, passei para o 54, com apenas 1,65 de altura!!! E depois, nunca mais consegui perder peso. Na época em que engravidei pela primeira vez estava com 22 anos. Imagine os danos causados as articulações e a coluna, para um corpo mediano com uma sobrecarga de mais de 40 quilos!!! Meu corpo sofreu.

E para piorar o quadro, comecei a trabalhar aos 15 anos como manicure e depois cabeleireira, profissões que exigem ficar tempo demais sentada e a outra de pé!  Mas quando se é jovem, a gente não percebe e passa por cima de tudo, ignorando os sinais que o corpo dá.

Ainda jovem já sentia muitas dores na coluna, mas me medicava com relaxantes musculares e conseguia cessar as dores. Mas com o passar dos anos, essas dores se tornaram constantes.

Como nunca parei de estudar e casei cedo, tinha jornada tripla: trabalhava durante o dia, estudava à noite e quando chegava em casa ainda tinha que ser mãe e esposa.

Com a nova profissão, continuei a maltratar meu corpo, pois como estagiária em direito, carregava muitos processos. Carregava no mínimo duas bolsas superpesadas; além dos saltos altos que usava, afinal, os ambientes que passei a frequentar exigiam e continuam exigindo salto e terninho. Isso me fez desenvolver DUAS novas doenças: fascite plantar e distrofia de sudeck, além da hérnia de disco!

A fascite plantar “é uma inflamação do tecido denso na sola do pé. Esse tecido é denominado fáscia plantar. Ele liga o calcâneo aos dedos e cria o arco do pé. A fascite plantar ocorre quando há muita tensão ou uso excessivo da faixa de tecido denso da sola do pé. Isso pode provocar dor e dificuldade para caminhar. Entre os fatores de risco para a fascite plantar estão: 

·  Problemas no arco do pé (pé chato e pé cavo)

·  Obesidade ou ganho súbito de peso

·  Corridas de longa distância, especialmente em ladeiras ou em superfícies irregulares

·  Tensão no tendão de Aquiles (o tendão que liga os músculos da panturrilha ao tornozelo)

·  Calçados com apoio insuficiente à curva do pé ou solas macias

A fascite plantar afeta geralmente homens ativos com idades entre 40 e 70 anos. É uma das reclamações ortopédicas mais comuns relacionadas aos pés.” Mas no meu caso, estava com exatos 36 anos quando meu martírio começou!

DISTROFIA DE SUDECK:  “Também denominada de distrofia simpático-reflexa (DSR) foi inicialmente descrita por Mitchell em 1864, durante a guerra civil americana, como quadro de edema doloroso em uma extremidade após ferimentos por arma de fogo, acompanhado de alterações vasomotoras e tróficas. Desde então, esta doença vem recebendo diversas terminologias, tais como algodistrofia, causalgia, atrofia de Sudeck, síndrome ombro-mão, neuroalgodistrofia, distrofia simpática pós-traumática ou síndrome dolorosa regional complexa. Clinicamente, a DSR se apresenta mais frequentemente como dor persistente de forte intensidade em uma extremidade, geralmente desproporcional ao evento desencadeante. A dor é associada a descritores de dor neuropática (queimação, disestesia, parestesia, alodínia e hiperalgesia ao frio) e sinais clínicos de disfunção autonômica (cianose, edema, frio, alteração de transpiração e pilificação local). Atualmente, há grande controvérsia a respeito da patogênese da DSR. Alguns autores acreditam que esta doença é decorrente de um mecanismo neuronal reflexo após um evento traumático, levando à percepção anormal da dor e a uma atividade simpática referente exacerbada. O diagnóstico de DSR foi feito baseado na presença de dor intensa e prolongada no segmento distal de um membro, frequentemente associada a edema difuso do local, alteração de coloração, alteração de temperatura, alteração de sensibilidade e incapacitação funcional.”

No que tange a coluna lombossacra, ela não queimava somente. A coluna travava. Ficava imóvel. Tinha que ser levada para a emergência, pois não havia remédio que fizesse a dor passar e que voltasse a posição ereta. Ficava torta. Para se ter uma ideia ia parar na emergência em média 2 a 3 vezes por semana, e os médicos do hospital já até me conheciam.

O fato perdurou por meses. Mas com o passar do tempo, um médico da emergência me disse que os medicamentos que eu estava tomando afetariam o meu coração, pois eram muito fortes e me aconselhou a procurar ajuda para resolver o problema, porque na realidade eu estava agravando o meu quadro, sem saber.

Ele me indicou um médico, que solicitou vários exames e ficou comprovado que eu estava com várias hérnias de disco. Mas a pior era a lombo-sacra. Essa tal hérnia comprimia os nervos que davam força nas minhas pernas. E eu não conseguia ficar de pé. Os pés por sua vez, doíam demasiadamente, em função da fascite plantar e da distrofia de sudeck, o que fez com que eu fosse parar na cadeira de rodas. Nossa! Nunca pensei passar por tudo aquilo... A gente só sabe o quanto é sofrido, quando a gente sente na pele...

Passei a depender dos meus filhos e marido para tudo. Levar-me aos fóruns, dirigir, levantar, e etc... Foi uma época bem ruim da minha vida... A pessoa que nunca dependeu de ninguém pra nada e de repente se vê numa cadeira de rodas, precisando de ajuda para tudo, se sente impotente e revoltada ao mesmo tempo.

Apesar de ser advogada e saber das dificuldades para os portadores de deficiência, mais especificamente os cadeirantes, para terem acesso ao transporte e locomoção, por exemplo, eu vivi e sofri diretamente essa dificuldade. Percebi o quanto é difícil ser deficiente (mesmo temporário) no Brasil, e mais exatamente no Rio de janeiro, cidade que eu meu trabalho é mais atuante. As calçadas não são cuidadas, o piso não é plano. Os buracos são diversos e rampa nos prédios (inclusive de órgãos públicos), são raridades.

Outro fato é o estacionamento. Não há vagas. O detalhe: como eu não adaptei o carro para deficiente era o meu marido quem dirigia, e quando ele parava na vaga de cadeirante, era impedido de estacionar, porque a vaga, segundo informação dos guardadores, era de uso exclusivo para o motorista cadeirante, e como eu não estava dirigindo, muitas vezes não pude contar com o benefício do estacionamento preferencial. 

Entre idas e vindas, por dois anos, passei por vários especialistas: ortopedistas, neurocirurgiões, fisioterapeutas e reumatologistas, tratamento com acupuntura, gelo, calor e etc... sem que em nenhum tivesse resolvido as dores, com um tratamento ou medicamento realmente eficaz e preciso.

Passei a tomar vários remédios, indicados pelos médicos, uns a base de corticoide, que faziam com que ficasse inchada e ganhasse mais peso, e os médicos me pediam para emagrecer.

Por fim, um dos médicos que me acompanhava na ocasião, sugeriu uma descompressão na coluna para “tentar” aliviar a pressão e no nervo que irrigava a força nas pernas e por consequencia diminuísse as dores. O procedimento foi com radiofrequencia com 15 ga, agulha trifacetada de 20 cm, com 90 segundos e 90 graus nos espaços L4 E L5.  

Como estamos no Brasil, e eu não fui a primeira e nem serei a última, da qual o plano de saúde se recusa a dar autorização para o procedimento. Eles alegaram que o mesmo era desnecessário e eu na cadeira de rodas! Pois é, tive que ingressar via judicial para que pudesse realizar o procedimento requerido pelo médico. E ganhei. Fiz o procedimento, mas infelizmente não resolveu. As dores continuaram.

Eu não tinha ideia da quantidade de remédios que tomava por dia!!!  Eram muitos... numa ocasião contei 16. Aí eu literalmente pirei !!! Num surto de desespero, um dia peguei aquelas drogas todas e joguei tudo fora. O custo benefício dos medicamentos, não estava sendo suficientes para me ajudar, e eu queria uma solução.

Após esse ato fui procurar um médico neurocirurgião que me disse que poderia operar minha coluna, mas que devido ao meu sobrepeso, não me indicaria a cirurgia naquele momento. Só que eu queria uma solução. Foi então que ele me indicou a cirurgia bariátrica. Disse que se eu diminuísse a sobrecarga na coluna e nos pés eu voltaria a ter uma qualidade de vida muito melhor.  Então, lá fui eu, para o pré-operatório.

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